Pof, pof fazia a mochila batendo na pochete. Amy foi se arrastando atrás dos outros. Nellie caminhava na frente, indo em direção ao ponto de táxi. Theo telefonara a Hilary para pedir ajuda e ela recomendara o Hotel Velha Catarata, “onde Grace sempre ficava em Assuã, fofuchos. Saladin, meu querido, faça o favor de tirar suas unhas do meu braço. Obrigada...”.
Dan andava atrás dela, tentando manter o máximo de distância possível da irmã. Theo andava na frente de Amy, procurando os óculos escuros no bolso da camisa. Hordas de turistas aguardando a bagagem andavam de um lado para o outro e um guia gritava Por aqui, pessoal!, enquanto outra porção de turistas avançava em direção a uma fila de ônibus.
Theo derrubou os óculos escuros e se agachou para recolhê-los do chão. Amy sentiu alguém lhe dar um empurrão por trás quando parou de andar. Sentiu a pochete raspando e levou a mão à cintura para arrumar a faixa. Para sua surpresa, esbarrou numa outra mão.
— Ei! — ela disse.
Sentiu um puxão na pochete. A multidão a comprimia. Ela não conseguia se virar nem andar para a frente. Amy começou a entrar em pânico.
— Socorro! — ela gritou, mas ninguém ouviu.
Theo não virou de costas. Estava acenando para Nellie. Ela sentiu como se estivesse sendo esmagada por centenas de cobras que se contorciam. Não conseguia respirar. Estava muito quente e os corpos em movimento ao seu redor a aprisionavam. Ela não conseguia se libertar.
— S-s-socorro! — A voz dela era tão débil, que soou quase como um gemido.
Lá na frente, Amy viu Dan se virar. Ele viu o pânico nos olhos da irmã. Soube na mesma hora que ela estava em apuros. Começou a abrir caminho à força, voltando na direção de Amy.
— Dan!
Ela tentou andar até ele e quase caiu.
— Dan, socorro! Minha pochete!
De repente, o braço do irmão surgiu no meio da multidão e agarrou seu pulso. Dan puxou o mais forte que conseguiu, derrubando uma mulher que estava no caminho. Amy sentiu a pressão na pochete aliviar.
Ela virou de costas e percorreu a multidão com os olhos. Em vez de cobras se contorcendo, viu turistas suados, ávidos de transporte terrestre. Pelo canto do olho viu alguém se mexer, mas era só um casal de idosos, um homem gordo de chapéu de palha e sua mulher olhando para baixo e fuçando numa volumosa sacola. Amy viu a luz refletir no anel da mulher, prateado e em forma de serpente.
— Depressa, vocês dois! — Theo estava parado na frente do táxi, com a porta aberta.
Amy se jogou no banco de trás, do lado de Dan.
— Ei, alguém tentou serrar a pochete por trás — percebeu Dan.
Amy desafivelou a faixa com os dedos trêmulos. Viu a marca de uma faca que tentara atravessar a lona. Vendo aquele corte recente, sentiu um calafrio na espinha:
— Essa foi por pouco.
— No meio da multidão, é preciso tomar cuidado com os seus pertences — recomendou Theo. — Ainda bem que você reagiu depressa, Amy.
— Na verdade, foi o Dan — confessou Amy.
— Pois é, finalmente consegui dar uma dentro — disse Dan.
Theo olhou pela janela.
— Que tal deixarmos as malas no hotel e pegarmos um barco até a ilha de Agilika agora mesmo?
— Peraí — interrompeu Dan. — Achei que o nome da ilha fosse Philae. O guia turístico dizia que o templo ficava lá.
— Philae é o nome do sítio arqueológico, mas a ilha é Agilika — explicou Theo. — A ilha de Philae está totalmente submersa desde os anos 1960.
— O quê? — cuspiu Amy. — A pista está embaixo d’água?
— Foi quando a Represa Alta foi construída. Mesmo antes disso, após a construção da primeira represa, em 1902, a ilha ficava submersa em certas épocas do ano. Dava inclusive pra vê-la lá embaixo, através da água.
— Mas então o que aconteceu com as construções da ilha? — perguntou Amy.
— Foram resgatadas e transportadas para Agilika — continuou Theo. — Com um projeto de paisagismo, deixaram a ilha exatamente igual a Philae. É o mais próximo possível de uma experiência autêntica. A única coisa que mudou foi a própria ilha. Vocês vão ver o Templo de Ísis exatamente como existia em Philae.
— Quer dizer que a ilha original de Philae ainda existe, só que está embaixo do Nilo? — perguntou Dan.
Theo confirmou com a cabeça.
— Embaixo do lago que foi criado pela represa. Mas agora não tem mais nada pra ver lá.
Theo e Nellie começaram a conversar e Amy falou com Dan em voz baixa. Já que o irmão tinha praticamente salvado a vida dela, era difícil continuar brava com ele.
— Ainda temos uma chance — ela sussurrou. — O poema disse que o pilar rosado ia fazer sombra ao meio-dia. Já que as construções estão exatamente na mesma posição, a mesma sombra vai cair no mesmo lugar, no “longo braço protetor”, o que quer que isso seja. Se tivermos sorte, a pista de Katherine ainda vai estar lá.
— Ou isso, ou vamos ter que procurar uma loja de equipamento de mergulho — disse Dan.
O táxi parou em frente ao Hotel Velha Catarata, num belo ponto do Nilo. Theo se ofereceu para guardar as bagagens e dar um bakshish, a gorjeta, ao taxista. Quando estava voltando para o carro, um funcionário do hotel veio correndo e lhe entregou um papelzinho. Theo leu e franziu a testa, depois guardou o bilhete no bolso da camisa.
— O que foi isso? — Amy perguntou quando ele sentou no banco da frente.
— Nada. Só uma... mensagem de boas-vindas da recepção.
Dan estendeu a mão por cima do encosto do banco e pescou o papel de dentro do bolso de Theo. Passou rapidamente os olhos no recado:
— Que bela mensagem de boas-vindas.
Ele mostrou o papel para Amy e Nellie. Na parte de cima havia um desenho egípcio de Osíris, o deus do mundo subterrâneo. Embaixo da imagem estava escrito:
Sua arrogância os levará à ruína!
— Não queria que vocês vissem mais um desses bilhetes imbecis — explicou Theo.
Dan amassou o papel:
— Não importa.
Mas na verdade importava. Ele achava que Jonah havia mandado os recados. Só que Jonah supostamente estava à caminho de Paris.
— Chegamos ao cais — mostrou Theo. — Vamos depressa, tem uma balsa partindo.
Eles correram até o barco e chegaram com poucos segundos de sobra. A balsa partiu bufando do atracadouro. Ali em Assuã, o Nilo parecia ainda mais bonito. A cor era mais puxada para o esmeralda e estava repleto de veleiros brancos. Grandes cruzeiros estavam aportados ali perto, com turistas debruçados por cima das amuradas, segurando câmeras e apontando para o rio. Duas garças saíram com delicadeza de trás dos juncos, fazendo Amy lembrar as pinturas que tinha visto na tumba de Nefertari. Era o choque entre o antigo e o novo, um tipo de característica que ela estava começando a reconhecer como parte do Egito.
— Vamos descer na margem sul, mas não é longe do templo — Theo disse-lhes. — Vocês conhecem a história de Ísis?
— Ela era casada com esse cara, o Osíris, e ele virou presunto — contou Dan. — Então ela pirou e ficou toda uiuiui! e foi lá e chorou um rio de lágrimas.
— Incrível! É exatamente isso que dizem os hieróglifos — comentou Theo.
O barco aportou e eles seguiram Theo até o Templo de Ísis. Era um enorme complexo, alto e grandioso, com relevos entalhados na pedra. Eles percorreram a gigantesca colunata.
Dan olhou em volta:
— Cadê o obelisco? Não tem um obelisco aqui?
— Tinha — respondeu Theo. — Dois, na verdade, erguidos por Ptolomeu VIII, entalhados em granito cor-de-rosa. Foram danificados, um deles caiu, então foram removidos no século XIX... quer dizer, roubados, ou comprados, dependendo do ponto de vista... por um inglês. Estão no jardim dele em Dorset, na Inglaterra.
Amy ficou devastada. Os obeliscos, os pilares rosados, não estavam mais lá. Agora não havia nada para projetar a sombra. Como eles iam conseguir achar a pista?
Theo continuou com a visita guiada.
— A antiga ilha era inundada pelo Nilo uma vez por ano — ele explicou. — Eles construíram muros para proteger as construções. Esse é um dos motivos de o templo estar tão bem conservado.
— Mas não tem muros aqui — observou Amy.
— Não foi preciso remover os muros — Theo deu de ombros. — Agora, com a represa, o Nilo não alaga mais a ilha.
Theo continuou andando, junto com Nellie. Amy sentou desanimada num degrau.
— O que vamos fazer agora? — ela perguntou. — O obelisco não está mais aqui.
Dan sentou ao lado dela.
— Nem os muros... Você não acha que eles são o “longo braço protetor”?
— Por que Grace mandou a gente aqui se a represa inundou a ilha? — Amy se perguntou. — Ela devia saber disso. E esse lugar é gigantesco. Não faço ideia de por onde começar.
— Ela deve ter deixado outra dica — disse Dan. — Só não encontramos ainda.
Fez-se um breve silêncio. O gelo tinha sido quebrado, porém o ar ainda estava frio entre eles, apesar do sol escaldante.
— Dan, a gente não pode passar pro lado mau da família Cahill — suspirou Amy com a voz fraca. — Só temos um ao outro. Não posso fazer isso sem você.
— Concordo totalmente — disse Dan. — Você não pode fazer isso sem mim.
Amy deu risada. Se ela estava ficando mais durona, Dan também estava. Talvez as mudanças não fossem tão ruins. Se eles dois ao menos conseguissem continuar sendo uma família, também dariam um jeito de aprender a ser membros da família Cahill.
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