segunda-feira, 2 de junho de 2014

Capítulo 19

O arqueólogo loiro, ou melhor, o ladrão loiro, parecia nervoso. Provavelmente porque estava passando a perna em duas crianças cujo único legado de sua querida avó era um concurso maluco que elas estavam destinadas a perder e uma estátua valiosíssima. E, graças a ele, elas tinham perdido a estátua.
Bom, azar o deles, pensou Irina.
guia turístico acabara não servindo para nada. Não tinha nenhuma dica, apenas anotações nas margens, coisas idiotas como Isso é imperdível! Gostei da comida aqui. Zero informação sobre a pista de Assuã. Que perda de tempo. Ela já tinha jogado o livro no lixo. Ler as palavras de Grace, por mais banais que fossem, servira apenas para despertar seu tique no olho.
Irina deu a volta e entrou no café, onde Theo Cotter estava esperando sentado, tamborilando com os dedos na mesinha forrada de ladrilhos, com a bolsa a seus pés. Ela sabia que não tinha sido seguida. Havia passado em frente ao café três vezes para garantir.
Ela sentou discretamente na cadeira ao lado dele:
— Você trouxe a Sakhet?
— Você trouxe o dinheiro?
Ela inclinou a cabeça.
— Conforme o combinado. Será transferido para uma conta na Suíça assim que eu me certificar que a estátua é autêntica.
Ela não tinha intenção de transferir o dinheiro. Não precisava da estátua, mas do que havia dentro dela. Fazia séculos que os Lucian estavam procurando aquele objeto. Ela não sabia ao certo por que, mas assim que pusesse as mãos nele ia descobrir.
— Primeiro, vou examinar no banheiro feminino.
Ela pegou a bolsinha, então andou por entre as mesas até o toalete. Trancou a porta, por segurança.
Irina revirou a estátua. Sabia que era uma Sakhet, com cabeça de leão. Dourada, como tinha sido relatado por Napoleão, o grande Lucian. Ela imaginou que os olhos fossem esmeraldas, não sabia nada sobre pedras preciosas. Tudo parecia em ordem. Irina bateu de leve com os dedos, procurando o truque para abri-la. Viu um corte da espessura de um cabelo na juba do leão. Enfiou um estilete estreito (aquele instrumento tinha sido tão útil ao longo dos anos!) na fissura e a cabeça girou facilmente em sentido anti-horário, revelando um pequeno compartimento. Virando a estátua de cabeça para baixo, ela a sacudiu. Um papiro enrolado caiu de dentro do objeto.


Parecia uma grande baboseira. Mas as dicas que levavam às pistas nunca faziam sentido até que se chegasse ao lugar correto. Rabat era uma cidade no Marrocos. 
Sem
dúvida tudo ia se esclarecer quando chegasse lá. Com cuidado, Irina fechou o compartimento secreto. Pôs o papel no bolso e a estátua de volta na bolsinha.
Ela andou de volta por entre as mesas e jogou a bolsa aos pés de Cotter.
— Não esperava que você tentasse me enganar — ela disse. — Isso nunca é uma boa ideia. Essa estátua é falsa.
— Não, eu garanto que é genuína.
— Rá! Você acha que eu nasci ontem? Sem dinheiro pra você! — Irina levantou e saiu correndo.
Ela se perguntou se o aeroporto tinha voos diretos para o Marrocos. A antiga cidade de Rabat era sua próxima parada.
Quando entrou num táxi, deu os parabéns a si mesma. Tinha superado aquele breve instante de sentimentalismo na tumba de Nefertari. Não podia se permitir outra fraqueza como aquela.
Quando ela tivesse as 39 pistas, talvez pudesse se dar ao luxo de ser generosa. Generosa não, isso seria exagero. Talvez só um pouco... menos austera. Até que esse momento chegasse, ela não se permitiria mais distrações. E nunca poria os pés em outra tumba. Havia fantasmas demais. Lembranças demais...
Irina começou a sentir o tique no olho:
— Aeroporto de Assuã. E pisa no acelerador!

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