domingo, 1 de junho de 2014

Capítulo 6

De onde ele apareceu?, Dan se perguntou. Ele não estava vendo uma porta em lugar algum. Era como se o homem tivesse surgido do nada. Sinistro.
— Tive o prazer de ser informado que vocês fizeram uma reserva em meu nome. Achei que pudesse ser meu sobrinho. Pena não ser ele. Eu estava ansioso para encontrá-lo — Bae esboçou um sorriso, mas era mais como se ele estivesse mostrando os dentes para o dentista. — Não que não seja agradável ver vocês dois.
Dan não acreditou naquele homem nem por um segundo. Pensou na porta de saída, que estava trancada. Se eles precisassem fugir, para onde iriam? Ele viu Amy olhar atrás de Bae. Ela também estava procurando um jeito de escapar.
O estranho sorriso de Bae ficou mais largo, como se ele farejasse o medo dos dois.
— Vocês gostam da base dos Ekaterina? — perguntou balançando sua bengala cravejada de joias. — Devo confessar que tenho muito orgulho dela. Eu mesmo a projetei.
— Bom, não é exatamente o que costumam chamar de muquifo — Dan admitiu.
O sorriso de Bae sumiu.
— Até mesmo os Ekat podem invejar a genialidade alheia. Eles não entendem que isso não tem nada a ver com minha glória pessoal. Eu projetei a base para todos os Ekat. Mesmo assim, faço mal em apontar que fui eu quem teve a sabedoria de comprar este hotel? Que fui eu o visionário? O Cairo sempre teve uma base Ekat, mas não era nada em comparação a esta. Era uma porcaria de casa que Howard Carter achou para nós em 1915, quando estava procurando a segunda Sakhet. Durante a Segunda Guerra Mundial, tivemos que esconder os objetos em vários lugares e eu percebi como seria sábio construir uma base melhor. Ninguém mais entendeu essa grande necessidade. Levei anos. E conforme a tecnologia vai avançando, vou incrementando as instalações. Esta base é tão boa quanto um museu, não acham? Melhor que um museu. Um tributo muito apropriado aos diversos gênios da linhagem de Katherine.
— Incluindo seu sobrinho — disse Amy.
— Bah — A boca fina de Bae curvou-se num gesto de dissabor.
— Achei que seu nome fosse Bae, não Bah — disse Dan. — Foi mal!
Bae fixou em Dan seu olhar sombrio. Dan sentiu um calafrio percorrer seu corpo. Era como ver de perto os olhos de um tubarão um instante antes de ele abrir as mandíbulas e parti-lo em dois.
— Ouvi dizer que você é um rapaz esperto — Bae disse para ele. — Isso com certeza vai levá-lo longe na vida. — Ele voltou a atenção para Amy. — Alistair tem sido uma grande decepção para mim. Uma mente tão brilhante em um homem tão bobo.
— Ent-tão por que você quer tanto encontrá-lo de novo? — perguntou Amy.
Ela podia estar encurralada, podia estar com medo, mas não ia deixar que aquele vilão os intimidasse.
— Eu sou tio dele. Prometi a meu caro finado irmão que tomaria conta de seu filho. Quando Alistair era mais novo, era um rapaz muito promissor. Foi ele quem descobriu como abrir a terceira Sakhet. Então, ele decide virar inventor. E inventa justamente o quê? Um pedaço de papelão congelado, sem gosto, indigesto, disfarçado de comida!
— Ouvi dizer que ele ganhou uns bons milhões com esse pedaço de papelão — disse Dan.
Bae se apoiou na bengala.
— Vocês precisam entender uma coisa: dinheiro não é sinal de sucesso. Não para os Ekaterina. É por isso que somos superiores aos outros. O que tem valor para nós? Não o poder, como para os Lucian, nem a força física, como para os Tomas. Nem mesmo a esperteza dos Janus. Não. É uma coisa maior. Engenhosidade. Inspiração. Tudo canalizado para a utilidade. — Ele agitou a bengala. — Vocês estão vendo o que nós fizemos!
— Vimos uns exemplos bem tenebrosos do que a engenhosidade dos Ekat pode criar — disse Amy, apontando para a cortina preta de sombras.
— Achei que você fosse mais esperta que isso, mocinha. Esse comentário não lhe cai bem.
— Por quê? — Amy o desafiou. — Por acaso eu devia ficar impressionada com oscampos de concentração e as bombas atômicas?
Bae bateu com a bengala no chão.
— A sua reação é emocional! Os Ekat não são maus. Nem bons. Eles inventamDesafiam. Lideram. Então, algumas vidas se perderam? Essas são questões menores. O que importa é a descoberta. A invenção. Entendem?
— Ahã, entendemos — disse Dan. — Resumindo: você é um baita dum tiozinho sinistro.
Bae Oh chegou mais perto e eles recuaram, dando um passo para trás.
— Vocês também são Cahill. Sabem que o que nos torna extraordinários às vezes pode nos tornar perigosos. Seus antepassados são prova disso. Vocês devem aprender comos erros deles, não só com os triunfos. Não é verdade?
Amy não queria dar ouvidos a ele. Mas finalmente Bae tinha falado alguma coisa que fazia sentido.
Ele deu outro passo na direção deles, estendendo o braço num gesto de simpatia. Eles recuaram de novo. Dan não queria de jeito nenhum chegar perto daquele velhote malvado.
— Venham — ele chamou, num tom que devia acreditar ser caloroso e bonachão, mas que soou totalmente macabro. — Somos todos da mesma família. Deveríamos ser aliados. Vocês progrediram muito na busca das 39 pistas, mas todos precisamos de ajuda. Que tal uma simples troca de informações? Eu conto a vocês o que sei sobre o grande mistério de Sakhet, vocês me contam o paradeiro do meu sobrinho. Eu sei que ele se afeiçoou a vocês.
— Você primeiro — disse Dan.
Bae inclinou a cabeça.
— Com prazer. Demonstrarei confiança e vocês farão o mesmo, estou certo disso — ele apontou com a bengala para a primeira Sakhet. — Eis o que nós, Ekat, sabemos com certeza. Nossa gloriosa antepassada Katherine, a rainha da engenhosidade, deixou a Europa e partiu para o Egito. Vocês imaginam quanta coragem era necessária para uma mulher viajar sozinha no começo do século XVI? Sabemos que ela veio para o Cairo e comprou três pequenas estátuas de Sakhet. Uma tinha olhos de rubi, outra, de lápis-lazúli e uma terceira, de esmeralda. Então, ela se disfarçou de homem e foi embora do Cairo. Sabemos que ela encontrou uma família de saqueadores de túmulos e os contratou para levá-la numa jornada Nilo acima. Katherine escondeu cada Sakhet em um lugar e todas, por sua vez, escondiam um segredo.
Bae olhou para a estátua.
— Ela é bonita, não é? Não foi por acaso que Katherine escolheu uma deusa. Ela acreditava que, por ser mulher, jamais tinha recebido o que de fato merecia. E era verdade — ele suspirou. — Não sabemos como os outros clãs descobriram essa pista de Katherine, mas faz séculos que estão procurando. Napoleão, aquela criaturinha pérfida dos Lucian, instruiu seus estudiosos para ficarem de olhos bem abertos caso aparecesse alguma Sakhet. Alguns acham que ele decidiu invadir o Egito só para se apoderar da estátua. A inteligência não era o maior dos atributos de Napoleão — Bae fungou. — Ele contava com outro Lucian na expedição, que fez o serviço de verdade. Bernardino Drovetti. Foi ele quem identificou a Sakhet. Estava na coleção particular de Napoleão. Os Ekaterina já tentaram roubá-la diversas vezes. Por fim, Drovetti achou que a estátua ficaria em segurança se a enviasse para a França numa coleção que doou para o Museu do Louvre.
Amy estava com medo de olhar para Dan. Bernardino Drovetti: seria ele o tal “B.D.”, autor da carta que eles acharam na Casa Sennari?
A pista agora segue caminho para o palácio do L em Paris...
— Por sorte, um dos nossos Ekaterina era um arqueólogo contratado pelo Louvre. Ele afirmou que a estátua era falsa e conseguiu tirá-la do museu. Então, contrabandeou a Sakhet de volta, para a estudarmos. Há! Bem debaixo do nariz de Drovetti! Achamos o primeiro pedaço do quebra-cabeça.
Mas talvez existisse outra Sakhet, pensou Amy. Uma que você não soubesse da existência. Drovetti a mandou para um palácio.
Bae deu alguns passos na direção da segunda Sakhet. Amy e Dan foram obrigados a se mexer também, para não ficarem muito próximos a ele.
— A busca pelas estátuas continuou. O boato se espalhou e muitos Cahill vieram para o Egito na esperança de encontrar uma delas. O grande explorador Richard Francis Burton, Winston Churchill, Flinders Petrie, Mark Twain... Nenhum deles era Ekaterina. Preferimos agir nos bastidores.
— Mark Twain? — perguntou Dan.
— Janus — Bae fungou. — Os descendentes de Jane são tão exibidos. Somente quandoHoward Carter se empenhou em procurar é que nós encontramos a segunda. Tumba após tumba, escavação após escavação. Ele estava competindo com Flinders Petrie.
— Outro grande arqueólogo — disse Amy. — Lucian? — ela chutou.
Bae confirmou com a cabeça.
— Naturalmente, o Ekat venceu. Carter encontrou a estátua. Vejam, é esta aqui, com olhos de esmeralda. Só havia um problema: ela é sólida. Não encontramos um jeito de abrir. É idêntica às outras, mas não há nenhum mecanismo secreto. Estamos certos disso. Ou seja, qual é a resposta? Existe outra Sakhet? Deve existir. Eu mesmo, desde minha juventude, tenho procurado sem descanso. Vasculhei lojas no Cairo, revirei catálogos de leilões, visitei todos os negociantes do mercado negro. E, então, um dia, achei a terceira — Bae olhou para a estátua com um olhar reverente. — Seus olhos azuis escondiam tesouros.
Bae se debruçou na bengala, de repente parecendo velho e derrotado.
— Ainda não conseguimos decifrar o código. Fracassamos num ponto tão crucial. Usamos modelagem computacional, e programas foram desenvolvidos para resolver o mistério. Existem centenas de tumbas que ainda não foram descobertas e qualquer uma delas pode ser a tumba certa. Talvez tenhamos interpretado mal a dica de Katherine. Ou, talvez, ela possuísse uma quarta Sakhet por segurança. Não há como saber.
Ele deu um passo vacilante na direção de Amy e Dan, com um olhar de súplica.
— Eu sou o líder dos Ekat — disse numa voz rouca. Parecia estar sem fôlego. — Alistair é meu sucessor. Se ele possui uma Sakhet, todos vão recebê-lo bem e tratá-lo com respeito. Posso me aposentar em paz. Porém, tivemos nossas desavenças. Ele é orgulhoso demais para aceitar minha ajuda. Mas preciso encontrá-lo. Pelo bem dele e pelo bem dos Ekaterina. Vocês entendem? — O rosto de Bae se abrandou. Ele andou em direção aos dois de novo. — Faço isso por ele. Me digam onde posso encontrar meu sobrinho.
Dan olhou para Amy. Será que ela estava mesmo engolindo aquilo? Seu olhar parecia terno. Ele puxou de leve o cotovelo dela, fazendo a irmã recuar. De repente, ficou apreensivo por estar perto o bastante para levar uma bengalada.
— Lamento informar — disse Dan. — Mas Alistair está morto.
Bae lançou um olhar duro para Dan. O menino o encarou de volta, sem desviar os olhos em nenhum momento.
— Que pena... — Bae disse por fim — ... que você mentiu.
A fraqueza de repente sumiu. Bae avançou com uma rapidez surpreendente. Girou a bengala e mirou no outro canto do teto. De uma das joias lapidadas disparou um laser. Eles ouviram um leve assobio.
Um mostruário do tamanho de uma salinha caiu do teto, batendo no chão com um estrondo. Eles perceberam, tarde demais, que Bae tinha manipulado os dois para que ficassem num ponto específico do chão. Eles estavam presos dentro de quatro paredes de plástico inquebrável, sem porta.
— Enquanto vocês não decidirem falar a verdade, é aí que vão ficar — disse Bae. — Dois tolos em exposição, para o deleite dos descendentes de Katherine!

Nenhum comentário:

Postar um comentário