domingo, 1 de junho de 2014

Capítulo 8

Aquilo tinha que acontecer. Depois de tantos anos detestando museus, ele havia se transformado numa peça em exposição. Dan empurrou a parede com as palmas das mãos.
— Socorro — ele sussurrou.
— Quanto tempo você acha que ele vai deixar a gente aqui? — perguntou Amy.
— Até a gente abrir o bico — disse Dan.
— Abrir o bico como? A gente não sabe nada.
— Eu só sei que estou com fome. Se Oh me oferecesse uma pizza, eu ia pensar em alguma coisa pra falar.
— A Nellie vai começar a se perguntar onde estamos — disse Amy.
— Ela nunca vai achar a gente.
— Ela vai ligar pra recepção. Talvez eles chamem a polícia...
— Você não entendeu? Ele é dono do hotel. Eles não vão fazer nada.
— Ele não pode simplesmente deixar a gente aqui. — A voz de Amy estava trêmula e ela engoliu em seco. Lembrou que tinha passado por situações piores. Mas aquele cubo de acrílico a deixava em pânico. Como se ela fosse uma peça de exposição, não uma pessoa. Ela se esforçou para respirar fundo. — Quanto ar cabe dentro dessa coisa?
— Não sei. Quem sabe... talvez seja melhor a gente não conversar.
A pergunta de Amy tinha assustado o irmão. Ficar sem fôlego era um problema sério para ele. Amy endireitou os ombros. Não ia perder a compostura. Já tinha pirado na frente de Dan algumas vezes e não ia fazer isso de novo. Nunca mais.
— Tem ar suficiente, com certeza.
Mas, por quanto tempo?
O pensamento veio e ela o rebateu para longe. O pânico arrefeceu um pouco. Ela era capaz de enfrentar aquilo. Agora sabia que o truque para ter coragem era não pensar na pior coisa que podia acontecer. Era estranho: se ela fingisse que tinha coragem, quase conseguia sentir a coragem.
Ela ia ter que se esforçar. O máximo possível.

***

— Moleques? — Nellie chamou do quarto. — É bom ter comida aí me esperando!
Não veio resposta.
— Galera? — Nellie deu um nó na faixa do roupão felpudo do hotel. — Chuchuzinhos?
Eles odiavam quando ela os chamava assim. Porém, nenhum resmungo veio do outro cômodo.
Ela abriu a porta. O quarto estava vazio. Havia um roupão jogado no chão e, do lado, um guarda-chuva quebrado. As crianças tinham dado no pé. Bem, ela não podia culpá-los. Eles estavam num hotel cinco estrelas e queriam explorar as redondezas. Nellie se jogou num sofá e começou a examinar atentamente o cardápio do serviço de quarto.
Vinte minutos depois, já tinha mandado ver uma boa parte do delicioso sortimento de aperitivos, que eles chamavam de meze. Porém, quando deu a última mordida no sabanikhiyat, percebeu que seu estômago estava mais cheio de preocupação que de espinafre.
Alguma coisa estava errada. Ela tinha demorado demais para perceber. Seu alarme interior devia ter tocado muito antes. Ela estava ficando desleixada. Devia ser por causa da fome ou do cansaço da viagem, mas não tinha desculpa. Você vai ter que se explicar se não ligar o cérebro no máximo, Nellie.
Ela tinha sido treinada para não demonstrar pânico, por isso parecia calma. Pulou do sofá e examinou o quarto. Só então prestou atenção no roupão jogado no chão junto à porta. A princípio assumira que se tratava do desleixo habitual de Dan, mas, quando analisou melhor, percebeu que o jeito como o roupão estava caído indicava que alguém o jogara com pressa enquanto estava parado em frente àquela porta...
Nellie correu até a porta e inspecionou cada centímetro. Então, olhou para o guarda-chuva quebrado no chão. E tudo, de repente, fez sentido.

***

Ela viu os dois antes que eles a vissem. Sentiu um aperto no coração, mas só de bater os olhos neles já ficou aliviada. Como ia tirá-los dali? Respirou fundo e se recompôs. Não podia perder a calma.
Amy ouviu o barulho de chinelos se arrastando e virou-se. O medo em seus olhos transformou-se em alívio:
— Nellie!
Ela ouvia a menina com nitidez. O cubo devia ter alguma instalação acústica.
Nellie deu uma mordida no pão sírio que trazia na mão.
— Que lugar é esse?
— Nellie? Hã, você não percebeu nada? — perguntou Dan. — Tipo, nós estamos presos dentro de um cubo!
Dan estava tentando agir naturalmente, mas ela percebeu que ele estava com falta de ar. Ela tinha trazido a bombinha no bolso do roupão, caso ele precisasse. Mas seria melhor se não precisasse. Neilie deu outra mordida no pão. Sem parar de mastigar, avaliou a situação com um olhar frio. Saladin apareceu e roçou nos tornozelos dela.
— Vocês dois são o pior pesadelo que uma au pair pode ter. Esse talvez fosse um jeito de eu sempre saber onde vocês estão. É tipo um método.
— NELLIE! — eles gritaram.
— Ele pode voltar a qualquer minuto! — disse Dan.
— Quem?
— Bae Oh! Foi ele quem pôs a gente nessa coisa.
— Aquele velhote de quem vocês falaram? O que ele fez? Deu uma chave de braço em vocês?
— NELLIE!
Nellie andou ao redor do cubo. Batucou nas paredes dele com a unha.
— Alguma sugestão?
— Procure no outro canto, do lado esquerdo — sugeriu Amy. — O circuito fica lá em cima.
— Ele apontou um laser — disse Dan.
Nellie apalpou o bolso do roupão.
— Puxa, acho que deixei minha caneta laser junto com minha apresentação de PowerPoint.
— Nellie!
Ela andou até o canto e olhou para cima.
— Estou vendo.
Ela enfiou a mão dentro do pão sírio, depois se agachou e deu alguma coisa para Saladin comer.
— Ele adora homus. Quem ia imaginar, não?
— Bom, a raça dele é Mau Egípcio. Talvez pra ele isso seja comida caseira — considerou Dan.
— Nellie, isso não é hora de alimentar o gato! — exclamou Amy.
Saladin lambeu os beiços e começou a se esfregar nas pernas de Nellie, pedindo mais.
Nellie pegou outra bolota de homus. Olhou de novo para o canto. Fez mira e disparou a bola em direção ao teto. Uma de suas diversas habilidades, além de fazer o melhor misto-quente do planeta, era a mira perfeita. Saladin acompanhou o olhar dela.
— Vai lá, gatinho. Vai buscar! — Nellie instigou o bichano.
Saladin pulou em cima de um mostruário e preparou-se para dar um salto.
Voou até o teto e pousou na estrutura de metal que sustentava o sistema de iluminação. Andou casualmente até a ponta de uma das vigas, pulou para o circuito e começou a lamber o botão que acionava o cubo.
As paredes tremeram um pouco e, em seguida, começaram a subir devagar.
— Saiam logo! — Nellie gritou. — Quando ele terminar o homus, vocês estarão fritos! O laser vai ser reativado imediatamente.
Amy empurrou Dan pela abertura e depois rolou para fora. Tirou o pé no exato instante em que Saladin pulou para o chão e o cubo caiu de volta no lugar, fazendo um grande estrondo.
— Línguas de gato são demais — aprovou Nellie, satisfeita.
Amy ficou em pé e espanou os joelhos.
— Como você descobriu onde a gente estava?
— Demorei um pouco pra sacar — explicou Nellie. — Aí vi o roupão desse pirralho jogado no chão. Foi uma bela dica.
— Peraí — Dan falou, furioso. — Pirralho?
— Bom, normalmente eu acharia que abrir uma porta com um guarda-chuva era, tipo, meio estranho. Mas faz tempo que estou andando com vocês dois, por isso pensei: por que não?
— Bae pode voltar a qualquer instante — interrompeu Dan. — Acho melhor a gente cair fora daqui e achar outro hotel.
— Bae Oh é dono do hotel, lembra? — disse Amy. — Como vamos sair daqui sem ser vistos?
— Usando a biologia — respondeu Dan, olhando para o roupão de Neilie. — Vamos nos camuflar.

***

Bae Oh cumprimentou o homem de preto com um aceno de cabeça.
— Não precisava ter vindo — ele disse. — A situação está sob controle.
— Você localizou seu sobrinho?
— Estou prestes a descobrir seu paradeiro.
Bae tinha certeza de que uma estada noturna na base secreta Ekaterina lhe forneceria todas as informações que necessitava. Os netos de Grace Cahill eram amadores. Iam logo abrir o bico.
— Existem muitos fatores fora do nosso controle — disse o homem de preto.
Mas Bae parou de prestar atenção. Tinha ouvido um gato miar. Animais de estimação não eram permitidos no Hotel Excelsior.
Escondido atrás dos óculos escuros, ele podia fingir que estava escutando o homem enquanto olhava de relance por cima do ombro dele. Uma família de turistas vestindo roupões brancos andava em direção à piscina. Estavam usando chapéus da loja de presentes, o que era bom. Os lucros do estabelecimento tinham financiado suas férias em Maui no ano passado. Eles carregavam grandes bolsas de lona. Turistas sempre levavam bagagem demais.
Um carrinho do serviço de quarto passou chacoalhando pelo grupo. Miauuuuuuurrrrrp! Era o miado mais estranho que ele já tinha ouvido. A não ser que também houvesse um saco de hamsters junto com o bicho.
O mais baixo membro do grupo baixou a cabeça e falou alguma coisa para dentro da bolsa de lona. Somente então Bae notou os calçados: eram tênis pretos de cano alto.
Eram os netos de Grace Cahill! Como tinham conseguido escapar?
Mesmo quando estava agitado, Bae tinha a política de não dar escândalo. Viu os seguranças do hotel no outro canto, de calça e camisa branca, assim como os garçons. Ninguém nunca adivinharia qual era a verdadeira função daqueles homens, a não ser que notasse o volume dos músculos embaixo da camisa e os fones no ouvido.
Tudo o que precisou fazer foi erguer um dedo e acenar com a cabeça na direção dos supostos turistas. O homem de preto ainda estava falando. Não tinha percebido nada. Bae não tinha interesse algum em informá-lo que os netos de Grace Cahill estavam tentando fugir do hotel.
Os seguranças avançaram em direção ao grupo depressa, mas discretamente. Tudo teria saído nos conformes se a jovem garota também não estivesse vigiando. Ela avistou os guardas antes que eles fossem muito longe. Bastou uma palavra dela e os três começaram imediatamente a correr.
Não houve barulho. Ninguém gritou, nem berrou. O homem de preto continuou falando. Bae ficou observando o grupo andar rapidamente em direção aos fundos do hotel. Eles só pararam para pegar uma grande sacola escondida atrás de um arbusto.
Equilibrando a bagagem e um gato irritado dentro de uma bolsa, eles saíram correndo. Os seguranças estavam poucos metros atrás quando os fugitivos dobraram a esquina.
Bae abafou um bocejo. Não precisava ver o fim daquela perseguição. Tinha os melhores seguranças do Cairo. Os três seriam capturados com discrição, sem chamar a atenção dos hóspedes. Seriam levados até a sala dele e ficariam detidos ali, esperando por ele. Não precisava ter pressa. Podia deixá-los suarem.
— Garanto a você que está tudo sob controle — assegurou ao homem de preto.

***

Derrapando nas pedras soltas pelo caminho, Amy, Dan e Nellie fugiram dobrando a esquina. Nellie tentava segurar Saladin sem soltar a mala. A mochila de Amy batia nas costas enquanto ela corria e o tênis de Dan desamarrou. Quando ele se atreveu a olhar para trás, os guardas estavam chegando perto.
— Não vamos conseguir — ele bufou.
De repente, um carro que estava estacionado saiu depressa da vaga e parou cantando pneu na frente deles, bloqueando o caminho.
Uma senhora minúscula, de cabelos brancos, vestindo uma túnica branca bordada e uma calça, colocou a cabeça para fora:
— Querem uma carona?
Eles hesitaram.
— Ora bolas! Uma coisa de cada vez. Acho melhor eu me apresentar. Sou Hilary Vale e tenho uma mensagem para vocês. De Grace. Oh, que lindos roupões!
Eles ouviram os passos pesados dos seguranças.
— Parem onde estão! — um dos guardas berrou.
Hilary esticou o braço e abriu a porta de trás.
— Acho que não é hora de hesitar, meus fofuchos. Entrem.

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