quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo vinte e quatro



Tris


Peter está do outro lado da sala, juntando os livros em uma pilha e empurrando-os em uma sacola. Ele morde a ponta de uma caneta vermelha e leva a sacola para fora da sala, e eu ouço os livros dentro dela batendo contra sua perna enquanto ele caminha pelo corredor. Espero até que eu não posso ouvi-lo mais antes de me virar para Christina.
— Eu tenho tentado não te perguntar, mas vou desistir — falo. — O que está acontecendo entre você e Uriah?
Christina, esparramada sobre sua cama com um longa perna sobre a borda, me lança um olhar.
— O quê? Vocês têm passado muito tempo juntos — falo. — Tipo, muito mesmo.
Está ensolarado hoje, a luz brilha através das cortinas brancas. Eu não sei como, mas o dormitório cheira como o sono – como roupa suja e sapatos, suores noturnos ecafé da manhã. Algumas das camas estão feitas, e alguns lençóis ainda estão amarrotados e amontoados na parte inferior ou na lateral. A maioria de nós veio da Audácia, mas estou impressionada pela forma como somos diferentes. Diferentes hábitos, diferentes temperamentos, diferentes formas de ver o mundo.
— Você pode não acreditar em mim, mas não é assim — Christina se apoia nos cotovelos. — Ele está de luto. Nós dois estamos entediados. Além disso, ele é Uriah.
— Então? Ele é bom para o futuro.
— Boa aparência, mas não pode ter uma conversa séria nem para salvar sua vida— Christina balança a cabeça. — Não me interprete mal, eu gosto de rir, mas também quero um relacionamento que signifique algo, sabe?
Concordo com a cabeça. Eu sei, melhor do que a maioria das pessoas, talvez, porque Tobias e eu não somos do tipo divertidos.
— Além disso — diz ela — nem toda amizade se transforma em um romance. Eu não tentei beijá-lo ainda.
Eu rio.
— É verdade.
— Onde você esteve ultimamente? — Christina rebate. Ela mexe as sobrancelhas. — Com Quatro? Fazendo um pouco de... mais? Ou multiplicando?
Cubro meu rosto com as mãos.
— Essa foi a pior piada que já ouvi.
— Não se esquive da pergunta.
— Não há “mais” para nós — eu digo. — Ainda não, de qualquer maneira. Ele tem estado um pouco preocupado com toda a coisa de “dano genético”.
— Ah. Essa coisa — ela se senta.
— O que você acha sobre isso?
— Eu não sei. Acho que isso me deixa com raiva — ela franze a testa. — Ninguém gosta que lhe diga que há algo de errado com você, especialmente algo como seus genes, que não se pode mudar.
— Acha que há realmente algo de errado com você?
— Acho que sim. É como uma doença, certo? Eles podem vê-lo em nossos genes. Isso não está realmente em debate, está?
— Eu não estou dizendo que seus genes não são diferentes — respondo. — Só estou dizendo que isso não significa que um conjunto é deficiente e um conjunto não. Os genes para olhos azuis e olhos castanhos são muito diferentes, mas os olhos azuis são “deficientes”? É como se eles apenas arbitrariamente tenham decidido que um tipo de DNA era ruim e o outro era bom.
— Com base na evidência de que o comportamento GD foi pior — Christina ressalta.
— O que poderia ser causado por um monte de coisas — retruco.
— Não sei por que estou discutindo com você quando eu realmente gostaria que você esteja certa — diz Christina, rindo. — Mas não acha que um grupo de pessoasinteligentes como estes cientistas do Centro poderiam descobrir a causa de mau comportamento?
— Claro. Mas acho que não importa quão inteligentes, as pessoas costumam ver o que estão procurando, isso é tudo.
— Talvez você seja tendenciosa demais — ela aponta — porque tem amigos – e um namorado – com esta questão genética.
— Talvez — sei que estou buscando por uma explicação, e uma que talvez eu não acredite, mas digo mesmo assim: — acho que não vejo razão para acreditar em danos genéticos. Vai me fazer tratar as outras pessoas melhor? Não. O oposto, talvez. E, além disso, vejo o que está fazendo com Tobias, como está fazendo-o duvidar de si mesmo, e eu não entendo como algo ruim pode vir dele.
— Você não acredita nas coisas porque elas deixam sua vida melhor, acredita nelas porque são verdade — ela ressalta.
— Mas... — eu falo devagar, enquanto reflito sobre isso — olhar para o resultado de uma crença não é uma boa maneira de avaliar se é verdade?
— Soa como uma maneira Careta de pensar — ela faz uma pausa. — Acho que o meu caminho é muito da Franqueza, no entanto. Deus, realmente não podemos escapar das facções, não importa para onde vamos, podemos?
Eu dou de ombros.
— Talvez não seja tão importante escapar delas.
Tobias entra no dormitório, pálido e exausto, como sempre parece nos dias de hoje. Seu cabelo está erguido de um dos lados onde ele se apoiou em seu travesseiro, e ele ainda está usando as roupas que usava ontem.
Ele está dormindo de roupa desde que chegou ao Centro.
Christina se levanta.
— Ok, estou indo embora. E deixar vocês dois... neste espaço. Sozinhos.
Ela gesticula para todas as camas vazias, e depois pisca visivelmente para mim enquanto sai do dormitório.
Tobias sorri um pouco, mas não o suficiente para me fazer pensar que ele está realmente feliz. E, em vez de ficar sentado ao meu lado, ele permanece ao pé da minha cama, os dedos tateando a bainha de sua camisa.
— Há algo que eu quero falar com você.
— Ok — respondo, e sinto uma picada de medo em meu peito, como um salto em um monitor cardíaco.
— Eu quero lhe pedir para prometer que não vai ficar brava — diz ele — mas...
— Mas você sabe que eu não faço promessas estúpidas — termino, minha garganta apertada.
— Certo — ele se senta, então, na curva de cobertores em sua cama desfeita. Ele evita meus olhos. — Nita deixou um bilhete sob meu travesseiro, dizendo-me para encontrá-la ontem à noite. E eu fui.
Eu endireito, e posso sentir o calor da raiva se espalhando através de mim enquanto imagino o rosto bonito de Nita, Nita dos pés graciosos, caminhando em direção ao meu namorado.
— Uma menina bonita lhe pede para encontrá-la tarde da noite, e você vai? — exijo. — E você ainda não quer que eu fique brava com isso?
— Isso não é sobre Nita e eu. Isso é tudo — ele diz apressadamente, finalmente olhando para mim. — Ela só queria me mostrar algo. Ela não acredita em danos genéticos, como me levou a acreditar. Ela tem um plano para tirar um pouco do poder do Centro, para fazer os GDs mais iguais. Fomos para a fronteira.
Ele me conta sobre o túnel subterrâneo que leva para fora, a cidade em ruínas na fronteira, a conversa com Rafi e Mary. Explica as guerras que o governo manteve escondidas de modo que ninguém soubesse que as pessoas “geneticamente puras” são capazes de uma violência incrível, e a forma como os GDs vivem nas áreas metropolitanas, onde o governo ainda tem poder real.
Enquanto ele fala, sinto a suspeita de Nita crescendo dentro de mim, mas não sei de onde ela vem – do instinto que costumo confiar, ou o meu ciúme. Quando termina, ele olha para mim com expectativa, e franzo meus lábios, tentando decidir.
— Como sabe que ela está dizendo a verdade?
— Eu não sei — ele responde. — Ela prometeu me mostrar provas. De noite — ele pega a minha mão. — Eu gostaria que você viesse.
— E Nita vai ficar bem com isso?
— Eu realmente não me importo — seus dedos deslizam entre os meus. — Se ela realmente precisa da minha ajuda, vai ter que descobrir como ficar bem com isso.
Eu olho para nossos dedos unidos, a manga desgastada de sua camisa cinza e o joelho desgastado de sua calça jeans. Não quero passar tempo com Nita e Tobias juntos, sabendo que seu suposta deficiência genética lhe dá algo em comum com ele que eu nunca vou ter. Mas isso é importante para ele, e quero saber se há evidências da má conduta do Centro tanto quanto ele.
— Ok — eu digo. — Eu vou. Mas não acredite nem por um segundo que eu não penso que ela não está interessada em mais do que seu código genético.
— Bem, e nem por um segundo acredite que estou interessado em alguém além de você.
Ele põe a mão na parte de trás do meu pescoço e puxa a minha boca em direção à sua.
O beijo e suas palavras me confortam, mas o meu desconforto não desaparece completamente.

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