sábado, 29 de março de 2014

Capítulo 18

Um jorro de energia desesperada encheu o corpo de Amy, como acontecera quando ela puxou Dan para fora do vão do metrô. Ela não tinha chegado até ali para lidar com um cretino convencido como Jonah Wizard. Imaginou a voz de Grace em sua mente, falando com total confiança: Você vai me deixar orgulhosa, Amy.
Ela levantou o frasco.
— Pra trás, Jonah, senão... senão eu quebro!
Ele riu.
— Você não faria isso. — Mas ele parecia nervoso.
— Que cena incrível! — disse o pai de Jonah. — Continua assim, filho. A química de vocês está ótima.
— E abaixa essa câmera! — gritou Amy.
Dan e Nellie olharam surpresos para ela, mas Amy não se importou. Também não se importava com o quão valioso pudesse ser o frasco. Estava cansada das traições da família Cahill. Estava tão brava que sentia mesmo vontade de jogar o cilindro de vidro no chão.
Pelo jeito, Jonah percebeu isso também.
— Ok, prima. Fica de boa. Aqui é todo mundo amigo, beleza?
— A câmera! — Amy deu um passo para a frente, como se fosse correr para cima dele.
Jonah recuou.
— Pai, desliga a câmera.
— Mas, filho...
— Desliga logo!
Relutante, o pai de Jonah parou de filmar.
— Tudo bem, Amy — Jonah abriu seu sorriso estonteante. — Agora estamos de boa, beleza? Você sabe que essa é a segunda pista. E se você destruir a pista, a busca acabou. Ninguém consegue nada. É isso que você quer?
— Pra trás — ela mandou. — Vai lá pro canto. Do lado da Jane.
Jonah franziu as sobrancelhas.
— Quem?
— No mural. Vai pra perto da moça de amarelo, sua tatara-tatara-tatara-tatara-tataravó.
Jonah obviamente não entendeu do que ela estava falando, mas obedeceu. Ele e o pai recuaram para o canto.
Dan deu um assobio.
— Muito bem, mana.
— Suba a escada — ela disse para Dan. — Você também, Nellie. Depressa!
Assim que os dois subiram, Amy seguiu logo atrás, mas sabia que Jonah e o pai não ficariam parados por muito tempo.
— Isso foi demais! — Dan estava dando pulos de empolgação. — Podemos trancar os dois lá embaixo?
— Dan, ouça — ela pediu. — A inscrição Se carregas isto. Acho que a coisa que tem no frasco é inerte.
— A coisa é um nerd?
— Inerte! Tipo, precisa de energia para ser catalisada. Franklin era químico. Quando ele diz “carregar”...
Dan deu um sorriso.
— É claro!
— É perigoso.
— Não temos escolha.
— Do que vocês estão fal...? — Nellie olhou de relance para a rua. — Ai, droga. Olhem!
Uma van roxa de sorvete vinha a toda velocidade na direção deles. O veículo deu uma freada brusca e parou de atravessado, bloqueando os portões. Eisenhower Holt fazia careta atrás do volante.
— Para dentro da igreja! — disse Amy. — Rápido!
Eles subiram correndo. Amy abriu as portas da igreja e deu de cara com um terno vermelho-cereja.
— Olá, crianças — o tio Alistair sorriu para eles.
Ele parecia um guaxinim com seus dois olhos roxos. De pé, ao seu lado, estava Irina Spasky.
O coração de Amy subiu à garganta.
— Você... você e ela?
— Calma lá — disse o velho homem. — Eu salvei a vida de vocês nas Catacumbas. Eu disse que alianças eram importantes. Estou apenas fazendo as amizades que consigo. Sugiro que você me entregue esse frasco, meu bem. Eu odiaria que a prima Irina precisasse usar suas técnicas de persuasão.
Irina estendeu as unhas e uma pequena agulha brotou de cada uma.
Amy se virou para correr, porém seus olhos se arregalaram. Alguma coisa vinha voando da rua na direção dela: um grande cubo branco.
— Abaixem! — ela gritou.
Nellie, Dan e ela se jogaram no chão enquanto uma caixa de sorvete passava voando por cima de suas cabeças. A caixa devia ter vindo do fundo do freezer, pois acertou Alistair e Irina como um bloco de cimento e derrubou os dois no chão.
— Hora da vingança! — Eisenhower Holt gritou, puxando mais munição congelada da traseira da van.
Arnold, o pit bull, latiu empolgado. Toda a família Holt subiu a calçada correndo, cada um segurando uma caixa de crème glacée.
— Amy — Dan disse, nervoso. — Você vai...?
Ele não terminou a frase, mas ela sabia o que ele queria perguntar. Da última vez em que eles encontraram os Holt, Amy tinha entrado em pânico. Desta vez ela não podia. Aquele mural dos Cahill na sala secreta tinha fortalecido a vontade dela.
— Nellie, vá embora — ela mandou. — Eles não querem você. Vá chamar a polícia!
— Mas...
— Esse é o melhor jeito de você nos ajudar. Vai!
Amy não esperou a resposta. Ela e Dan dispararam para dentro da igreja, pulando por cima de Alistair e Irina, que não paravam de gemer, e correram para o fundo da nave da igreja.
Amy não teve tempo de admirar a construção da igreja, mas sentiu que tinha mergulhado na Idade Média. Colunas de pedra cinzentas se erguiam até um teto abobadado. Havia infinitas fileiras de bancos de madeira voltados para o altar, e janelas de mosaico de vidro brilhavam à luz fraca de velas votivas. Os passos deles ecoaram no chão de pedra.
— Ali! — gritou Dan.
Havia uma porta aberta à esquerda, um lance íngreme de escada. Amy passou o trinco na porta atrás deles, embora soubesse que aquilo não deteria os Holt por muito tempo.
Eles subiram a escada aos tropeços. O peito de Dan começou a chiar. Amy passou o braço ao redor dele e ele se apoiou nela.
Eles subiram, subiram, subiram. Ela não tinha imaginado que a torre do sino podia ser tão alta. Finalmente, encontrou um alçapão e o abriu. A chuva escorria por seu rosto. Os dois subiram até o campanário, que era aberto de todos os lados para a tempestade. Num canto estava um sino de bronze do tamanho de um armário. Pela aparência dele, não era tocado há séculos.
— Me ajude! — gritou Amy.
Ela mal conseguia mexer o sino, mas juntos eles conseguiram arrastá-lo para cima do alçapão.
— Isso... deve... aguentar. — O peito de Dan chiava. — Por... enquanto.
Amy se debruçou na lateral da torre, enfiando a cabeça na chuva e na escuridão. O cemitério parecia incrivelmente longe lá embaixo. Os carros na rua eram como as miniaturas com que Dan costumava brincar. Amy tateou a parede de pedra do lado de fora da janela. Seus dedos agarraram uma barra fria de metal. Havia uma escada minúscula embutida num dos lados da torre, levando até o pináculo, cerca de três metros acima. Se ela caísse...
— Fique aqui — ela mandou.
— Não! Amy, você não pode...
— Eu preciso. Aqui, pegue isto — ela lhe deu o papel onde o frasco estava embrulhado. — Guarde isso num lugar seco e escondido.
Dan enfiou o papel no bolso da calça.
— Amy...
Ele parecia apavorado. Amy percebeu mais do que nunca como estavam sozinhos no mundo. Eles só tinham um ao outro.
Ela apertou o ombro dele.
— Eu vou voltar, Dan. Não se preocupe.
BUUUM! O sino tremeu conforme alguém lá embaixo, alguém muito forte, batia no alçapão. BUUUM!
Amy enfiou no bolso o frasco de vidro e passou uma perna para fora da janela, na escuridão vazia.

***

Ela mal conseguia se segurar. A chuva ardia em seus olhos. Sem coragem de olhar para baixo e concentrada no próximo degrau da escada, ela foi subindo bem devagar até o telhado íngreme.
Por fim, chegou ao topo. Um velho para-raios apontava para o céu. Na base dele havia um anel de metal, como um minúsculo aro de basquete, e embaixo disso um fio terra, como o que Franklin recomendara em seus primeiros experimentos. Amy enrolou o fio ao redor do pulso, então tirou o frasco do bolso. Estava tão escorregadio que ela quase o deixou cair. Com cuidado, encaixou o frasco no anel de metal e o encaixe foi perfeito.
Ela recuou, descendo um pouco do telhado. Por favor, pensou, segurando firme nos degraus.
Amy não precisou esperar muito. Os pelos de sua nuca ficaram arrepiados. Ela sentiu um cheiro que parecia o de papel-alumínio queimado, e então: CABRUUUÜUM!
O céu explodiu. Choveram faíscas para todo lado, chiando nas telhas molhadas. Atordoada, Amy perdeu o equilíbrio e começou a escorregar pelo telhado. Tentou freneticamente se segurar e agarrou um degrau com tanta força que seu pulso doeu. Mas continuou segurando e voltou a escalar para o topo.
O frasco de vidro estava brilhando. O líquido verde dentro dele não era mais turvo e lamacento. Parecia ser feito de pura luz verde aprisionada num vidro. Com cuidado, Amy encostou nele. Não tomou nenhum choque, o frasco nem estava quente. Ela tirou o frasco do anel de ferro e o guardou de volta no bolso.
Se carregas isto, Encarrego a ti.
A parte mais difícil ainda estava por vir. Ela precisava sair dali em segurança e descobrir o que tinha acabado de criar.

***

— Dan, eu consegui!
Ela desceu de volta para o campanário, mas seu sorriso derreteu no rosto. Dan estava caído no chão, amarrado e amordaçado. De pé, parado ao lado dele, de uniforme militar preto, estava Ian Kabra.
— Olá, prima. — Ian mostrou uma seringa de plástico. — Faço uma troca com você.
— MMMMJ — Dan se contorcia e tentava dizer alguma coisa. — MMMM! MMMM!
— Sol... solte ele! — Amy gaguejou.
Ela sabia que seu rosto estava muito vermelho. Odiava estar gaguejando outra vez. Por que Ian Kabra transformava a língua dela em chumbo?
O sino de bronze tremeu. Os Holt ainda batiam com força por baixo, tentando abrir o alçapão.
— Você só tem alguns segundos antes de eles subirem — advertiu Ian. — Além disso, seu irmão precisa do antídoto.
Amy sentiu uma fisgada no estômago.
— O qu... o que você fez com ele?
— Nada que não possa ser revertido se você agir em menos de um minuto — Ian balançou a seringa com o antídoto na frente dela. — Me dê o frasco de Franklin. É uma troca justa.
— MMMM! — Dan fez um “não” enfático com a cabeça, mas Amy não podia correr o risco de perder o irmão. Nada valia aquilo. Nem mesmo uma pista. Nem um tesouro. Nada.
Ela estendeu o frasco de vidro brilhante. Ian pegou o frasco e ela arrancou o antídoto da mão dele. Em seguida se ajoelhou ao lado de Dan e começou a puxar a mordaça da boca do irmão.
Ian deu uma risadinha.
— Foi bom fazer negócio com você, prima.
— Você... você nunca vai conseguir sair da torre. Você está preso aqui que nem...
Então lhe ocorreu uma coisa. Como Ian tinha chegado ali em cima? Ela notou que havia faixas presas no peito dele, como um colete de alpinismo. Aos seus pés havia um amontoado de barras de metal e seda preta.
— Outra coisa que Franklin adorava... — Ian recolheu a coisa do chão e começou a prender a seda preta na armação de metal. — ... pipas. Ele atravessou o rio Charles usando uma pipa, sabia?
— Você não pode ter...
— Ah, posso sim. — Ele apontou para a cúpula iluminada da igreja maior, no topo do morro. — Eu desci voando lá de Sacré-Coeur. E agora vou sair voando outra vez.
— Você é um ladrão — Amy disse.
Ian prendeu o colete na enorme pipa preta.
— Não sou um ladrão, Amy. Sou um Lucianassim como Benjamin Franklin. O que quer que esteja contido neste frasco pertence aos Lucian. Acho que o velho Ben ia gostar da ironia!
E sem esperar mais, Ian pulou para fora do campanário. O vento o carregou. A pipa devia ter sido projetada especialmente para aguentar o peso de uma pessoa, pois ele desceu num voo elegante, passando por cima do cemitério e da cerca e pousando na calçada com uma corrida controlada.
Em algum lugar na tempestade lá fora, berravam sirenes de polícia. O sino tremia conforme a família Holt batia no alçapão.
— MMMM!
— Dan! — Amy se esquecera totalmente dele.
Ela arrancou a mordaça.
— Ai! — ele reclamou.
— Fique parado. Estou com o antídoto.
— Ian estava blefando! — resmungou Dan. — Eu estava tentando avisar. Ele não me deu nada! Não estou envenenado.
— Tem certeza?
— Absoluta! Isso que ele te deu não serve pra nada. Ou talvez isso seja veneno.
Com raiva de si mesma por ter sido tão burra, Amy jogou a seringa no chão. Ela desamarrou Dan e o ajudou a ficar de pé.
O sino de bronze tremeu outra vez e caiu de lado. O alçapão se abriu. Eisenhower Holt subiu no campanário.
— Chegaram tarde demais — Dan disse a ele. — Ian levou o frasco.
Ele apontou para a rua. Um táxi tinha acabado de parar, com Natalie Kabra sentada atrás. Ian entrou no táxi e eles partiram pelas ruas de Montmartre.
— Vou fazer vocês dois pagarem por isso — rosnou o senhor Holt. — Vou...
As sirenes tocaram mais alto. A primeira viatura de polícia apareceu dobrando a esquina, piscando suas luzes azuis.
— Pai! — a voz de Reagan chamou da escada. — O que está acontecendo?
Um segundo carro de polícia apareceu, vindo em disparada na direção da igreja.
— Vamos embora — decidiu Eisenhower. Então gritou para a família lá embaixo — Todo mundo, meia-volta, volver! — Ele deu uma última olhada em Amy e Dan. — Da próxima vez...
Ele deixou a ameaça pairando no ar e abandonou Amy e Dan sozinhos na torre.
Amy olhou para a chuva lá fora. Avistou o tio Alistair que, cambaleando, descia uma rua lateral, com um picolé de chocolate grudado nas costas de seu terno vermelho-cereja. Irina Spasky mancava para fora da igreja e, ao ver a polícia, saiu correndo.
— Arrêtez! — gritou um policial, e dois deles começaram a correr atrás dela.
Nellie estava parada na calçada com mais alguns oficiais. Gritava freneticamente em francês, apontando para a igreja.
Apesar de todo o caos, Amy sentiu uma estranha calma. Dan estava vivo. Eles tinham sobrevivido àquela noite. Ela fizera exatamente o que precisava ter feito. Um sorriso se esboçou em seu rosto.
— Por que você está tão feliz? — Dan reclamou. — Perdemos a segunda grande pista. Nós fracassamos!
— Não. Não fracassamos.
Dan olhou para ela.
— Aquele relâmpago fritou seu cérebro?
— Dan, o frasco não era a pista — ela disse. — Aquilo era só... bem, não sei direito o que era. Um presente de Benjamin Franklin. Alguma coisa para ajudar na busca. Mas a pista verdadeira é esse papel que você enfiou no bolso da calça.

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